Montes Claros, Januária, Bonito de Minas, Cônego Marinho e Itacarambi – “Águas por aqui, o senhor viu. Rio é só o São Francisco, o Rio do Chico. O resto pequeno é vereda. E algum ribeirão.” O trecho da obra-prima de Guimarães Rosa destaca a inegável importância do Velho Chico. Mas, hoje, quase 70 anos depois da publicação de “Grande sertão: veredas”, a imponência já não é mais a mesma. O Rio da Integração Nacional está degradado e com volume reduzido. Reflexo e retrato de seus afluentes, e de um problema que começa nas cabeceiras.
As veredas ajudam a formar os principais tributários do São Francisco, como os rios Urucuia, de Janeiro, Paracatu, Jequitaí e o Rio das Velhas, todos citados em “Grande sertão”. Em um efeito-cascata, à medida que as nascentes secam, diminui o volume dos córregos, dos ribeirões, dos afluentes maiores, até que a sede chega ao Velho Chico, que nasce na Serra da Canastra, em Minas, e deságua no Atlântico entre Alagoas e Sergipe, depois de 2,83 mil quilômetros de exploração e degradações.
Da mesma forma, à medida que as veredas morrem, a economia é abalada, pois a água que brota em meio aos buritizais garante o abastecimento de cidades e a produção de alimentos, sendo um insumo de variados ramos da indústria de transformação, incluindo bebidas, medicamentos, papel, siderurgia e até a fabricação de carros. “As veredas representam sinais vivos de como estamos comprometendo o futuro hidrográfico das bacias e, principalmente, a Bacia do Rio São Francisco, porque, em um processo de mudanças climáticas, elas seriam importantíssimas para que a gente pudesse ter produção hídrica garantida”, destaca o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Marcus Vinicius Polignano.
Polignano alerta que, com a morte de nascentes, “a desertificação de toda a região (do sertão e do cerrado) vai se intensificar com a pobreza do solo, com a pobreza da produção agrícola e a pobreza da produção hídrica”. “Isso compromete o futuro e a estabilidade social e econômica das populações dessas regiões”, assinala. “As veredas são um conjunto de solo, vegetação e água que mostra a riqueza, a diversidade e a prosperidade hídrica. De certa forma, indicam a circulação da água no território”, ressalta Polignano.
Ele salienta que a morte das veredas significa perda de territórios de produção de água, além da capacidade de armazenamento do recurso. “Isso, evidentemente, é um indicativo de que vamos ter cada vez mais problemas de vazão nos afluentes do Rio São Francisco, seja o Rio das Velhas ou outros. E, à medida que diminui o volume de seus afluentes, a vazão do São Francisco também baixa.”
Polignano salienta que a obra de Guimarães Rosa indica que as fontes de água orientaram a ocupação do sertão e as viagens dos antigos tropeiros. “As veredas, como descritas por Guimarães Rosa, são grandes referências no sertão, indicativos da presença de água. São exatamente as regiões por onde passavam as tropas, por onde levavam o gado e transportavam as mercadorias em lombos de animais. Veredas eram referências não somente geográficas, mas também hídricas em todo percurso que virou o caminho literário do Rosa”, relata.