Militares das forças especiais do Exército, os chamados “kids pretos” usaram carros da corporação para monitorar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A intenção era sequestrá-lo e matá-lo envenenado ou com tiros e até bombas. A ação seria desencadeada em 15 de dezembro de 2022 e incluiria os assassinatos do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), duas semanas antes da posse de ambos.
As informações constam no relatório da Polícia Federal (PF) que resultou na operação deflagrada na manhã desta terça-feira (19) e prendeu quatro oficiais do Exército e um policial federal. O relatório apresentado pela PF para pedir os mandados usados na “Operação Contragolpe” foi tornado público pelo STF ainda nesta terça, após as prisões dos suspeitos. Os detalhes da investigação levaram a Procuradoria-Geral da República (PGR) a endossar os pedidos concedidos pelo STF.
“O objetivo do grupo criminoso era não apenas ‘neutralizar’ o ministro Alexandre de Moraes, mas também extinguir a chapa presidencial vencedora, mediante o assassinato do presidente Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, conforme disposto no planejamento operacional denominado ‘Punhal Verde Amarelo’, elaborado pelo general Mário Fernandes”, afirma a PF no relatório.
General reformado, Mário Fernandes é um dos cinco presos na operação desta terça-feira. Ele foi secretário executivo da Presidência da República no governo Bolsonaro e assessor do ex-ministro e deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ) – ficou lotado no gabinete de Pazuello, que também é general do Exército, entre março de 2023 e março de 2024.
A PF encontrou o documento “Punhal Verde Amarelo” em um HD externo de Mário Fernandes. Em um capítulo, o general descreveu os armamentos que seriam necessários para concretizar o plano de assassinato de Moraes: pistolas e fuzis comumente utilizados por policiais e militares, "inclusive pela grande eficácia dos calibres elencados"; além de uma metralhadora, um lança granada e um lança rojão, "armamentos de guerra comumente utilizados por grupos de combate".
O documento foi impresso pelo general no Palácio do Planalto em 9 de novembro de 2022, quando os telefones de Rafael Martins de Oliveira e Mauro Cid estavam conectados a rádios transmissores naquela área, o que leva a crer que eles também estavam na sede da Presidência da República. Posteriormente, o documento foi levado ao Palácio da Alvorada, a residência oficial da Presidência, então ocupada por Jair Bolsonaro (PL).
Além de militares do Exército e ex-ajudantes de ordem do então presidente, Rafael Martins e Mauro Cid integram os chamados “kids pretos”, as Forças Especiais do Exército. Os “kids pretos” assim são conhecidos por causa das tocas de cor preta que costumam usar. Eles são altamente treinados com técnicas de ações de sabotagem e incentivo à insurgência popular. Essas ações são descritas pelo Exército como “operações de guerra irregular”. “Qualquer missão, em qualquer lugar, a qualquer hora, de qualquer maneira” é o lema dos “kids pretos”.
A PF concluiu que o “Punhal Verde Amarelo”, era um plano terrorista a ser executado por “kids pretos” com o objetivo de assassinar Lula, Alckmin e Moraes. O plano detalha os recursos humanos e bélicos necessários para o desencadeamento das ações, com uso de técnicas operacionais militares avançadas, além de posterior instituição de um “Gabinete Institucional de Gestão de Crise”, a ser integrado pelos próprios investigados para o gerenciamento de conflitos institucionais originados em decorrência das ações.
Confira a seguir, passo a passo, o plano “Punhal Verde Amarelo”. Ela envolveria uma outra operação, batizada “Copa 2022”, destinada apenas ao sequestro e execução de Moraes. O valor para desempenhar a ação, segundo dados da PF, foi estimado pelo grupo em R$ 100 mil.
"Ou seja, claramente para os investigados a morte não só do ministro, mas também de toda a equipe de segurança e até mesmo dos militares envolvidos na ação era admissível para cumprimento da missão de 'neutralizar' o denominado 'centro de gravidade', que seria um fator de obstáculo à consumação do golpe de Estado", afirma a PF em trecho do relatório a Moraes.
"Para execução do presidente Lula, o documento [plano 'Punhal Verde Amarelo'] descreve, considerando sua vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais, a possibilidade de utilização de envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico", descreve a PF.
No planejamento, os alvos da PF chamavam Lula pelo codinome de “Jeca” e Alckmin por “Joca”. Não há detalhamento sobre como seria o homicídio de Alckmin, mas uma citação aponta que “sua neutralização extinguiria a chapa vencedora”, como era o objetivo dos militares.
Leia abaixo outros pontos dos supostos planos para matar Lula, Moraes e Alckmin apresentados pela PF ao STF e à PGR:
Mauro Cid disse, em depoimento à PF, que Bolsonaro fez reuniões no Palácio da Alvorada para consultar integrantes da Marinha e das Forças Armadas sobre a possibilidade de um golpe militar. Cid fez delação premiada com a PF e falou sobre esse suposto plano e outros crimes.
A operação desta terça é fruto da investigação do inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado e a sequência de atos promovidos ao longo do processo eleitoral de 2022, e que culminaram nos atos de 8 de janeiro de 2023. Os militares alvos da operação desta terça já eram investigados no inquérito aberto após a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Confira quem são os cinco presos nesta terça pela PF:
A operação desta terça-feira é fruto de investigação do inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado e a sequência de atos promovidos ao longo do processo eleitoral de 2022, e que culminaram nos atos de 8 de janeiro de 2023. Os militares alvos da operação já eram investigados no inquérito aberto após a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Nas investigações sobre os atos de 8 de janeiro de 2023, a PF identificou kids pretos, com botas militares e calças camufladas, participando das invasões às sedes dos Três Poderes. Um deles, o general da reserva Ridauto Lúcio Fernandes, chegou a fazer vídeo em frente ao Palácio do Planalto, em meio à invasão e depredação do prédio que é a sede do Poder Executivo.
O general narrou o cenário, dizendo que estava “arrepiado”. Ridauto foi alvo da 18ª fase da operação Lesa Pátria, desencadeada em 29 de setembro de 2023. Ele não está entre os alvos desta quinta-feira.
Já na reserva do Exército, Ridauto Lúcio Fernandes ocupou cargos importantes no governo de Jair Bolsonaro. Ele trabalhou com o ex-ajudante de ordens do então presidente, o tenente-coronel Mauro Cid, que, após ser preso, fechou um acordo de delação premiada com a PF para responder processos em liberdade, mediante uma série de restrições.
Ao lado de Cid, o ex-general trabalhou no Comando de Operações Especiais do Exército, em Goiânia. Ele também foi encarregado das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na região metropolitana de Natal e em Mossoró, no Rio Grande do Norte. O general visitou Cid na prisão e disse, ao jornal “Folha de S. Paulo”, que a visita teve motivação “pessoal” e que seu objetivo era “ver se poderia ajudar em algo”.
Investigação da PF sobre o 8 de janeiro mostra que o suposto plano para derrubar Lula por meio de uma intervenção militar incluía o acionamento do Comando de Operações Especiais do Exército, em Goiânia, para efetivar a intervenção militar federal, com a volta de Bolsonaro ao Planalto.
Em outra operação, deflagrada em fevereiro, a PF apontou Mauro Cid e outros seis oficiais do Exército como integrantes do “núcleo operacional” da suposta “organização criminosa” que pretendia dar um golpe de Estado para impedir a posse de Lula, com prisão de ministros do STF. Na ocasião, além dos militares, foram alvos da operação Jair Bolsonaro e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.
Segundo a PF, os oficiais comandados por Cid integravam os “kids pretos”. No caso do plano para impedir a posse de Lula, Cid e seus colegas eram encarregados de “reuniões de planejamento e execuções de medidas”, além de “logística e financiamento” para manutenção dos acampamentos de apoiadores de Bolsonaro em frente a quartéis do Exército, onde a intervenção militar era a principal bandeira.
Para apontar Cid e outros oficiais como responsáveis pelo “núcleo operacional” do plano de golpe de Estado, a PF apresentou à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao STF troca de mensagens de áudio e textos recuperados por peritos com autorização judicial.
Os investigadores citam uma reunião entre o coronel Bernardo Romão Corrêa Netto, então ajudante de ordens de Bolsonaro, com oficiais com formação para integrar as forças especiais. O encontro aconteceu na noite de 28 de novembro de 2022, em Brasília.
Essa reunião resultou, ainda de acordo com a PF, em uma carta assinada por oficiais e endereçada ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, que pedia a adesão dele ao plano de golpe de Estado. Gomes não cedeu à pressão desses militares nem de outros.
Por isso, foi chamado de “cagão” por Braga Netto, então ministro da Defesa, que também apoiou “oferecer a cabeça dele aos leões”, conforme provas anexadas pela PF ao relatório em que pediu autorização para cumprimento de buscas, apreensões e prisões nesta quinta-feira.
Os investigadores souberam dessa reunião em Brasília por meio de diálogos que estavam arquivados no telefone celular de Mauro Cid, apreendido pela PF – ele foi preso por causa da falsificação de comprovantes de vacina contra Covid-19 e é investigado em outros inquéritos, como o que desencadeou a operação desta quinta e o que trata das joias da Arábia Saudita que Bolsonaro não entregou ao patrimônio da União.
Mauro Cid foi intimado a depor novamente, nesta terça-feira. A PF recuperou dados que haviam sido apagados em computadores dele. Ou seja, é forte a suspeita que Cid escondeu informações relevantes dos investigadores. Com isso, ele corre o risco de perder os benefícios da delação premiada.
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