Pedro luiz herdou a tradição do pai e conhece cada detalhe dos trajes usados na celebração - (crédito: FOTOS: EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS)

Pedro luiz herdou a tradição do pai e conhece cada detalhe dos trajes usados na celebração

crédito: FOTOS: EDÉSIO FERREIRA/EM/D.A PRESS

 

Tem sido assim ao longo dos tempos: enquanto os homens se dedicam à imagem de Nosso Senhor dos Passos, as mulheres cuidam de Nossa Senhora das Dores, verificando minuciosamente cada detalhe das duas peças barrocas que saem na procissão. Em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), as cerimônias da Semana Santa, que começa hoje, encantam não apenas pela beleza dos cortejos, mas também pela religiosidade, respeito às tradições locais e amor pela cultura.

 


O canto da Verônica ecoa, o Coro Angélico acompanha esse lamento com músicas em latim e as figuras bíblicas conduzem os fiéis pelas ruas do Centro Histórico, partindo do Santuário Arquidiocesano Santa Luzia, na Praça da Matriz. Na história da Paróquia Santa Luzia, que completa 280 anos, há outra característica singular: a apresentação de Nossa Senhora, que, em cada cerimônia, tem um vestido diferente, com a cor acompanhando os sentimentos da mãe de Jesus.

 


A intimidade dos devotos com seu patrimônio emociona: “É como se as imagens fossem pessoas da nossa família”, afirma Maria Goretti Gabrich Freire Ramos, herdeira de uma missão importante – a de zelar pela peça sacra. Ao lado de Nosso Senhor dos Passos, o também voluntário Pedro Luiz de Oliveira Filho se diz orgulhoso pelo costume vindo dos antepassados. “Desde criança, aprendi o jeito certo de cuidar da imagem de Jesus.”


Nesta última reportagem da série “Sagradas Tradições”, o Estado de Minas mostra o empenho de homens e mulheres de boa vontade, mineiros de fé, dispostos a manter vivo e preservado um pedaço da história de Minas Gerais.


Nossa Senhora “da família”

Na sacristia do Santuário Arquidiocesano Santa Luzia, no Centro Histórico de Santa Luzia (RMBH), a imagem de Nossa Senhora das Dores já está quase pronta para as solenidades da Semana Santa. Neste momento, quem cuida das vestes, penteia os cabelos e verifica cada detalhe da imagem barroca é a voluntária Maria Goretti Gabrich Freire Ramos, que herdou a tarefa da sua tia, Luzia Fonseca, falecida em maio de 2019, aos 104 anos.

 


“Somos tão próximos da imagem de Nossa Senhora, que a tratamos como se fosse alguém da família”, conta Goretti, que ajuda o pároco e reitor do santuário, padre Felipe Lemos de Queiros, na composição do figurado bíblico, destaque, a partir de hoje, da programação religiosa da tricentenária cidade. “Em cada dia da Semana Santa, a imagem usa uma roupa diferente, fruto de doação. As pessoas católicas daqui, quando viajam, trazem um corte de tecido, um véu, uma mantilha. Importante destacar que, além dos vestidos, a imagem usa anágua e combinação, peças já em desuso no vestuário feminino.”


Em Santa Luzia, uma tradição atravessa o tempo e persiste imutável: na Semana Santa, os homens cuidam de Nosso Senhor dos Passos, enquanto as mulheres se dedicam a Nossa Senhora. “Ninguém sabe exatamente como tudo começou", observa Goretti, cuja tia, Luzia, era, com muito zelo, responsável pela imagem de Nossa Senhora, juntamente com as irmãs Augusta e Lúcia Dolabella, já falecidas. "Atualmente, ficamos eu e minha prima, Carla Dolabella, encarregadas da missão, e temos o maior prazer em levá-la adiante. Minha filha, Ana Virgínia, também tem muito interesse pelo acervo do santuário”, diz Goretti.

 


Até ontem (23/3), a imagem de Nossa Senhora das Dores esteve no altar-mor do templo para o Setenário das Dores de Maria Santíssima (sete dias de orações), e, na terça-feira (26), sairá às ruas na procissão que irá do santuário à Capela Nossa Senhora da Conceição e São Cristóvão. “É o tipo de tradição que, acreditamos, não acaba, resulta de fé e respeito pela nossa cultura”, afirma Goretti.

 

CORDÃO com HISTÓRIA


São várias gerações de homens de uma mesma família empenhados em cuidar da imagem de Nosso Senhor dos Passos, que estará na noite de amanhã (25/3), coberto por um baldaquino (estrutura com cortinas), na Procissão do Depósito, e, na quarta-feira (27/3), na do Encontro, com a cruz às costas. Um dos responsáveis pela tarefa de “arrumar a imagem”, como se diz mineiramente, é Pedro Luiz de Oliveira Filho, que herdou a tradição do pai, falecido em 1997, e do avô, Modestino Eloy de Oliveira, morto em 1978.

 

 


“Desde criança, aprendi o jeito certo de cuidar da imagem de Jesus. E sinto muito orgulho em manter a continuidade dessa tarefa, que contava com a colaboração do meu tio, José Leão. Morava em Brasília (DF) e vinha para a Semana Santa”, conta Pedro Luiz, conhecido por Pedrinho, pai de Bruno Henrique, de 30 anos, e Pedro Henrique, de 16, e avô de Daniel.

 


No altar de Nosso Senhor dos Passos, Pedro Oliveira mostra o cordão que a imagem traz à cintura e uma caixa de madeira, com a data de 22 de março de 1891. “O cordão foi um presente de um morador de Sabará, Ignácio Burlamaqui. O que não falta aqui é história.

 

DIAS DA PAIXÃO DE CRISTO
COM O CANTO DA VERÔNICA

As solenidades da Semana Santa em Santa Luzia completam 280 anos, informa o pároco e reitor do santuário, padre Felipe Lemos de Queirós, e sintetizam as tradições de Minas Gerais: procissões solenes, canto da Verônica, a mulher que enxugou o rosto de Jesus, ritos em latim, Ofício de Trevas, que remete aos tempos medievais, a encenação com as figuras bíblicas no adro do santuário e os motetos entoados pelo Coro Angélico e Orquestra.

 


De hoje, Domingo de Ramos, até a Páscoa, as cidades mineiras têm extensa programação, que, no entanto, têm características próprias e variações devido às tradições centenárias. Conheça aqui os dias e significados das cerimônias em Santa Luzia.

 

1 - Domingo de Ramos


No primeiro dia da Semana Santa, os fiéis participam da procissão que lembra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Ele vem montado num burrinho e as pessoas, nas ruas, acenam com ramos. Esse momento marca o período conhecido como Paixão de Cristo, com as posteriores crucificação e ressurreição.


2 - Procissão do Depósito


Ocorre na segunda-feira. Trata-se da prisão de Jesus, daí ele ficar dentro do baldaquino, um cortinado fechado. É também chamada de Procissão de Nosso Senhor dos Passos. Depósito significa que Cristo vai ser “depositado” ou “deixado”, para depois haver o encontro.

 


3 - Procissão de Nossa Senhora das Dores ou Soledade


A imagem de Nossa Senhora, vestida de roxo e com a espada cravada no peito, simbolizando a dor extrema, sai à procura do filho martirizado. Percorre as ruas das cidades ao som dos motetos (cânticos em latim). O cortejo sai na terça-feira.


4 - Procissão do Encontro


O encontro entre Nossa Senhora das Dores e o filho, Jesus, ocorre na quarta-feira, após duas procissões. A imagem de Jesus, cujo andor é adornado apenas por homens, sai do templo para onde foi na noite de segunda-feira, enquanto a de Nossa Senhora das Dores, em andor preparado por mulheres, parte da capela ou igreja aonde chegou no dia anterior. Depois do encontro, num ponto central da cidade, os dois grupos seguem em direção à igreja matriz ou santuário.

 


5 - Lava-pés


Realizado na quinta-feira, é a instituição da eucaristia, que marca dois momentos: só se pode celebrar a Missa da Unidade e não outras, e, nela serão abençoados os santos óleos. Relembra, também, a última ceia de Jesus com os 12 apóstolos. Num gesto de humildade, o Messias lavou os pés dos discípulos. Neste dia, começa o tríduo pascal, que vai até o domingo.


6 - Procissão do Enterro de Jesus


Na Sexta-feira da Paixão ou Santa, não há missas nem toque de sino, apenas o som das matracas rompendo o silêncio. Neste dia, há o Sermão das Sete Palavras, a cerimônia do Descendimento da Cruz, com a retirada de Jesus da cruz, e a Procissão do Enterro. Não há missa neste dia nem confissão.

 


7 - Sábado Santo


Na véspera da ressurreição, as igrejas promovem a Bênção do Fogo Novo, a chama (mãe de todas as luzes que vai acender o Círio Pascal, a mãe de todas as luzes, e a Vigília Pascal (depois da 17h de sábado). O nome “sábado de aleluia” não é mais usado.


8 - Domingo da Ressurreição, a Páscoa


Considerado o dia mais importante do calendário católico, o Domingo da Ressurreição tem a procissão festiva da Páscoa. Para saudar a ressurreição, é tradição a ornamentação das ruas, por onde passa o cortejo, com tapetes artesanais.

 

PROGRAME-SE


Semana Santa em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte

 

Hoje (24), Domingo de Ramos, às 7h

Bênção dos ramos na Capela Nosso Senhor do Bonfim com procissão até o Santuário Arquidiocesano Santa Luzia. À noite (19h30), Ofício de Trevas.