“Infelizmente, todo o feijão que a gente plantou foi perdido.” Enfrentando a seca no cultivo às margens do Rio São Francisco, na comunidade vazanteira de Cascalho, no município de São Francisco, o pequeno produtor Paulo Dias da Silva ecoa um lamento que se espalha com cada vez mais intensidade, pelo segundo ano consecutivo, pelo semiárido mineiro. Da mesma forma, essa queixa se traduz no vaivém de caminhões-pipa que tentam suprir a escassez de cursos d'água e poços e no gado que emagrece pela falta de pastagem e com o pouco que tem para beber.
O estado já tem 138 municípios com decreto de emergência por causa estiagem prolongada, quase todos eles situados no Norte de Minas e nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri, de acordo com a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec). E, a cada dia sem chuva, a situação se agrava.
No Norte de Minas, estima-se que mais de 20 mil famílias estejam com dificuldades de acesso a água potável e alimentação por causa da escassez de chuvas, que já provocou o secamento de mais de 300 rios e córregos na região. Os danos da estiagem prolongada em 2024 no Norte mineiro constam em relatório climatológico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG), apresentado no início do mês em reunião da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams).
A entidade anunciou que vai usar o levantamento como base para solicitar dos governos federal e estadual a ampliação do programa de envio de caminhões-pipa para abastecimento de água e de cestas básicas para as populações atingidas. Pretende também pedir a renegociação de dívidas rurais.
O levantamento da Emater-MG estima os efeitos de mais de 160 dias sem chuvas significativas no semiárido mineiro, área em que a estiagem prolongada afeta diretamente 170 mil famílias de agricultores, 30% da população rural. O Norte do estado conta 3.550 comunidades sofrendo algum tipo de efeito da seca.
O quadro de perdas deste ano repete o drama de 2023, quando o semiárido mineiro enfrentou uma das piores estiagens da história, em meio a recordes de temperatura. “Comparando com o ano passado, podemos dizer que a situação é idêntica. Os impactos da seca deste ano são os mesmos”, afirma o gerente regional de Emater-MG em Montes Claros, José Arcanjo Marques Pereira.
“Os mesmos rios e córregos da região que secaram no ano passado estão vazios novamente. Mas, agora, há uma tendência de o fenômeno da seca se agravar, em função das mudanças climáticas e do aquecimento global. Estamos vivendo ondas de calor mais intensas, com sol mais forte, muitos incêndios e queimadas, atingindo pastagens, lavouras e canaviais”, relata o gerente regional da Emater-MG.
O diagnóstico da Emater-MG entregue à Amams aponta ainda sérios prejuízos econômicos na agropecuária da região no primeiro semestre de 2023, com redução de 35% na produção leiteira e queda de 50% na produção de carne e leite mesmo com o uso de suplementação alimentar, enquanto a capacidade das pastagens teve um baque de 40%.
Um dos efeitos desse quadro pode ser observado na localidade de Mandacaru, no município de Montes Claros, cidade polo da região Norte. Lá, o pequeno produtor Antônio Ailson Ferreira mantém na base do sacrifício o seu pequeno rebanho bovino e o plantio de hortaliças, tentando superar a estiagem prolongada.
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